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O porte de drogas para consumo pessoal é crime?

Como se sabe, não é apenas entre os operadores do direito que surgem dúvidas se o porte de drogas para consumo pessoal é crime. E isto porque, o legislador, ao inserir a conduta na Lei n. 11.343/2006 não previu dentre suas penas a privativa de liberdade e, com isso, tão logo publicada começaram a surgir diversas correntes doutrinárias a respeito do tema.

A análise que segue, portanto, busca demonstar ao nosso leitor como o tema vem sendo abordado pelas Cortes Superiores a partir dos entendimentos que foram se formando ao longo desses anos.

Previsão legal do porte de drogas para consumo pessoal

Inicialmente, importa esclarecer que se encontra vigente no Brasil a Lei n. 11.343/2006 que, dentre outras previsões, estabelece as normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, bem como define os respectivos crimes.

Assim, o porte de drogas para consumo pessoal encontra-se disciplinado no art. 28 da lei em comento, que dispõe:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo

Porte de drogas ilegal para consumo pessoal – STJ

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, pode se dizer com certa tranquilidade que é pacífico o entendimento acerca da criminalização da conduta de portar drogas em desacordo com determinação legal e regulamentar, como nos revela as teses firmadas na jurisprudência da Corte Superior. Confira:

Jurisprudência em Teses, Ed. 45, disponibilizada em 11/11/2015:

  • Com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização;
  • O princípio da insignificância não se aplica aos delitos de tráfico de drogas e porte de substância entorpecente para consumo próprio, pois trata-se de crimes de perigo abstrato ou presumido.

Jurisprudência em Teses, Ed. 96, disponibilizada em 31/01/2018:

  • O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei n. 11.343/06 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.

Jurisprudência em Teses, Ed. 123, disponibilizada em 16/04/2019:

  • O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei de Drogas não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.

Jurisprudência em Teses, Ed. 131, disponibilizada em 23/08/2019:

  • A conduta de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas não descriminalizada, não havendo, portanto, abolitio criminis;
  • O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.

Porte de drogas ilegal para consumo pessoal – STF

Dentre as decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema, é possível perceber que prevalece, por maioria, na Corte Suprema o entendimento no sentido da criminalização do porte de drogas ilegal para consumo pessoal. E, neste sentido, dentre os argumentos utilizados pelos Ministros que se filiam à corrente da criminalização da conduta, cita-se os seguintes:

(i) Apesar de despenalizado o crime, não houve a descriminalização da conduta de posse de drogas para consumo pessoal – artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. (RHC 121584, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 26/10/2020)

(ii) A lei, ao tratar do tema, classificou a conduta como crime, no Capítulo III – Dos Crimes e das Penas;

(iii) O art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção, ou seja, não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime, pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (RE 430.105 QO, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007)

Ressalta-se, contudo, que há divergência de entendimentos entre os Ministros, sendo possível identificar corrente em sentido oposto, em especial diante do Voto lançado pelo Ministro Roberto Barroso, no já citado RHC 121.584, no sentido de que a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas.

Para o Ministro, entre as razões pragmáticas, incluem-se (i) o fracasso da atual política de drogas, (ii) o alto custo do encarceramento em massa para a sociedade, e (iii) os prejuízos à saúde pública. 

Já as razões jurídicas que justificam e legitimam a descriminalização, segundo consta do Voto, são (i) o direito à privacidade, (ii) a autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo para promover a saúde pública. (RHC 121584, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 26/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-266  DIVULG 05-11-2020  PUBLIC 06-11-2020)

De toda forma, vale ressaltar que está em julgamento perante o STF, desde 2012, o Tema 506 em que se discute a Tipicidade do porte de droga para consumo pessoal (Leading Case RE 635.659). E, por se tratar de tema com repercussão geral reconhecida, a tese que vier a ser firmada pacificará o entendimento acerca da criminalização ou não do porte de drogas para consumo pessoal.

Conclusão

Diante do exposto, forçoso concluir que o porte de drogas para consumo pessoal no Brasil, é considerado crime sem previsão de aplicação de pena privativa de liberdade. Contudo, por se tratar de tema que se encontra em discussão no âmbito do STF em sede de Repercussão Geral, é necessário aguardar a Tese que será fixada, para fins de consolidação do entendimento.

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